segunda-feira, 8 de março de 2010

A hora do farelo

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
O coração do outono pulsa ao som dos Noturnos de Chopin.
Enquanto filósofos desvelam os insondáveis desígnios da condição humana, eu espero pelo pinhão cozido na chapa do fogão a lenha.
O vento roça os telhados e janelas.
A chegada da estação se adivinha na neblina, um pouco de frio, amarelo nas folhas.
Essas coisas me vêm na hora imprópria do farelo, olhando a estrela.
Espero que os pinheiros não se deixem morrer na crise cósmica que atravessamos.
O egoísmo e a maldade humana estão nos levando para o buraco.
Por cima vêm as catástrofes naturais como poucas vezes antes.
Existe alguma coisa que cala e sente quando vem o anoitecer, que olha a lonjura das estrelas, observa o mistério inumerável da vida, sabe que o tempo é curto pra conhecer e sentir tanta beleza.
Existe, na revelação do farelo, o sentimento de que faltam mais encontros com os amigos.
Faltam mais mesas pra ficar com as pessoas a quem amamos.
Há um excesso intolerável de realidade.
A beira da noite, no outono, impõe austeridades.
Ermos são os caminhos da hora do farelo.
As folhas amarelas do tempo caem em volta dessa hora descarnada.
A beleza da vida num voo de borboleta.
A impressionante leveza que a faz girar, levitar, divagar entre flores e ramos.
O ocre do outono deita sedas nos caminhos.
A palavra escrita recolhe nossa presença no mundo.
A palavra existe pra ser partilhada.
A hora do farelo traz a vontade de voar sobre os abismos e certezas.
Em que lugar enterraram o mistério, em que ilha de ausência no meio do oceano?
Talvez longe demais.
Se ao menos um anjo surgisse dizendo que nada foi em vão…


____________ 

Foto: J. Finatto